"Pelejarei eu mesmo contra vós outros com braço estendido e mão poderosa, com ira, com indignação e grande furor."Como se pode ver, a grande questão nesse verso não é "se Deus é por nós quem será contra nós?", mas sim, e se Deus for contra nós? Nesse caso quem será por nós diante do todo-poderoso? Esse verso de Jeremias é somente a ponta do iceberg, quero convidar você, caro leitor, a olhar mais profundo para o restante do capitulo.
Comecemos pelo contexto histórico. Jeremias foi o último profeta de uma Jerusalém ainda livre, e foi também testemunha ocular da invasão babilônica e da destruição da cidade santa. Ele é nos dias de hoje denominado de profeta chorão, mas é injusto, ao meu ver, esse cognome. Pelo menos da maneira que alguns o utilizam, colocando ele como alguém sem controle emocional. Uma pessoa que presencia, mesmo após tanto advertir, a destruição e sofrimento de seu povo, de sua família e amigos, com certeza teria a vida marcada por lamentações. Além do mais, ele tentou alertar os seus, mas foi rejeitado, humilhado e até espancado, nos fazendo lembrar de um Nazareno tão peculiar que surgiria séculos mais tarde. O contexto aqui é de uma iminente destruição vindo a Jerusalém.
A ignorância do rei Zedequias
"Palavra que veio a Jeremias da parte do SENHOR, quando o rei Zedequias lhe enviou Pasur, filho de Malquias, e o sacerdote Sofonias, filho de Maaseias, dizendo: Pergunta agora por nós ao SENHOR, por que Nabucodonosor, rei da Babilônia, guerreia contra nós; bem pode ser que o SENHOR nos trate segundo todas as suas maravilhas e o faça retirar-se de nós." (Jr 21.1,2)Aparentemente o rei Zedequias tinha o hábito de consultar a Deus por meio do profeta; obviamente, não havia nele o hábito de obedecer a vontade do Deus de Israel (Jr 38.15). A Babilônia invadiu Jerusalém na época do reinado de Joaquim (2Rs 24.10), Nabucodonosor levou este cativo para Babilônia e toda sua família da realeza, e em lugar dele, coloca Zedequias como rei em Judá e Jerusalém. Passados alguns anos Zedequias se rebela contra a Babilônia, o que ocasiona a fúria de Nabucodonosor para vir a Jerusalém e sitia-la.
Nesses dois primeiros versos podemos constatar claramente a total ignorância de Zedequias, principalmente em relação a providência divina. A pergunta dele revela que há esperança de que Israel, já abatido fisicamente e morto espiritualmente, venha triunfar sobre o poderoso exército Babilônico. Certamente a ignorância de Zedequias esta relacionada com o que Deus esta fazendo no meio do povo, e não com aquilo que Ele fez. Ele tem esperança de que Deus novamente vai livrar o povo e pelejar em favor de Israel, ele tem esperança "que o Senhor nos trate segundo todas as suas maravilhas". A palavra hebraica pele'(maravilhas) tem o significado de "milagre" ou "prodígio", algo extraordinário, inexplicável. O conhecimento que Zedequias tem de Deus está baseado no poder que há em suas mãos, mas é totalmente ignorante de quem Deus é.
Foi exatamente isso que aconteceu com Jesus após a multiplicação dos pães. A multidão seguiu Jesus e seus discípulos, atravessaram terra e mar para caça-los, mas quando os encontra, o Senhor os repreende: "Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes." (Jo 6.26). O sinais que testificavam que Ele era o Messias foi ignorado completamente por conta da necessidade suprida. Esse é o motivo da busca frenética daquela multidão: a satisfação das necessidades.
É triste como a historia de Zedequias também reverbera em nossos dias, milhares e milhares de pessoas que se ajuntam porque creem que existe um Deus que faz prodígios, milagres, curas e maravilhas. Pessoas que tem fé para serem curadas, mas não possuem sequer uma pequena quantia de conhecimento de quem Deus é, e de seus atributos eternos e imutáveis. Uma fé sem a razão e o conhecimento, é uma fé ineficaz; imagine por um momento se a fé de Abraão ao ser provado para sacrificar o próprio filho estivesse sem o conhecimento dos atributos de Deus, se Abraão não tivesse certeza de que Deus é fiel e imutável em suas promessas, teria levado seu filho até o cume do monte? O resultado de uma fé sem a razão é o mesmo ocorrido com Zedequias, buscam a Deus somente quando há necessidade em suas vidas miseráveis. O problema quando buscamos a Deus só em meio as necessidades é que a resposta Dele pode ser contra nós e não a favor.
A resposta de Deus para Zedequias.
"Então, Jeremias lhes disse: Assim direis a Zedequias: Assim diz o SENHOR, o Deus de Israel: Eis que farei retroceder as armas de guerra que estão nas vossas mãos, com que vós pelejais fora dos muros contra o rei da Babilônia e contra os caldeus, que vos oprimem; tais armas, eu as ajuntarei no meio desta cidade. Pelejarei eu mesmo contra vós outros com braço estendido e mão poderosa, com ira, com indignação e grande furor. Ferirei os habitantes desta cidade, tanto os homens quanto os animais; de grande pestilência morrerão. Depois disto, diz o SENHOR, entregarei Zedequias, rei de Judá, e seus servos, e o povo, e quantos desta cidade restarem da pestilência, da espada, da fome e na mão de Nabucodonosor, rei da Babilônia, na de seus inimigos e na dos que procuram tirar-lhes a vida; feri-los-á a fio de espada; não os poupará, não se compadecerá, nem terá misericórdia." (Jr 21.3-7)Zedequias consulta Jeremias para saber se Deus era "por nós", e a resposta que recebe é "pelejarei eu mesmo contra vós". Tenho certeza que na sua ignorância o rei não esperava por isso. Em um contraste com o famoso relato do reinado de Josafá quando Deus diz: "a peleja não é vossa, mas de Deus", "não temais, nem vos assusteis... porque o SENHOR é convosco." (2Cr 20.15-17). Aqui Deus é bem claro em sua resposta: "Sou eu que estou contra Israel". É possível isso? Deus ser contra seu próprio povo?
Posso prever varias objeções acerca desse argumento, principalmente da nociva teologia moderna que enfatiza demasiadamente o amor de Deus em detrimento ao demais atributos. A teologia moderna diz: "Sim Deus é justo, santo, soberano e imutável, mas acima de tudo isso Deus é amor, ainda que seja preciso ele abrir mão da sua justiça, santidade, soberania e imutabilidade em favor desse amor". Segundo essa cosmovisão cristã, Deus faz tudo baseado primariamente no seu amor, os outros atributos são secundários e as vezes irrelevantes. O problema é os frutos desse tipo de teologia; por exemplo, segundo esse pensamento, as coisas ruins que ocorrem na humanidade só podem ser originados pelo mal, e seu príncipe, satanás. Seguir por esse caminho é entrar num terrível dualismo e morte da soberania e providência de Deus no mundo, é um caminho perigoso para a vida cristã saudável.
Em relação a tudo isso surge a pergunta: "Deus ser contra o seu povo é manchar o seu atributo do amor"? De maneira nenhuma, muito pelo contrário, no contexto desta passagem podemos ver que há dois atributos de Deus em manifestação clara, a fidelidade e o amor. Fidelidade ao pacto feito com Israel, pois esses versos nada mais são, senão o cumprimento de Deuteronômio 4.25-27:
"Quando, pois, gerardes filhos e filhos de filhos, e vos envelhecerdes na terra, e vos corromperdes, e fizerdes alguma imagem esculpida, semelhança de alguma coisa, e fizerdes mal aos olhos do SENHOR, teu Deus, para o provocar à ira, hoje, tomo por testemunhas contra vós outros o céu e a terra, com efeito, perecereis, imediatamente, da terra a qual, passado o Jordão, ides possuir; não prolongareis os vossos dias nela; antes, sereis de todo destruídos. O SENHOR vos espalhará entre os povos, e restareis poucos em número entre as gentes aonde o SENHOR vos conduzirá."(Confira também Levítico 26.23-26):E amor ao mostrar que seu povo não está sem disciplina conforme o autor de Hebreus citando Provérbios enfatiza acerca do atributo do amor de Deus:
"Filho meu, não menospreze a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige"? (Hb 12.5-7)Podemos ver tanto a fidelidade quanto o amor de Deus na continuação dos versos de Deuteronômio 4
"então, o SENHOR, teu Deus, não te desamparará, porquanto é Deus misericordioso, nem te destruirá, nem se esquecerá da aliança que jurou a teus pais." (4.31)Deus tem todo o direito de ser contra o seu povo. Como um Criador que faz o que quer com seu vaso de barro, como um Santo que não suporta o pecado, como o Justo que não deixa impune o mesmo pecado, como aquele que é Fiel e Poderoso para cumprir o que prometerá, e também como um Pai que disciplina seu filho que ama. Nenhum atributo é diminuído, Ele continua sendo completo e perfeito, mesmo quando não compreendemos o que Ele faz.
Zedequias não compreendeu que Nabucodonosor era um instrumento nas mãos de Deus, lutar contra ele era lutar contra Deus. O que fazer nessa situação?
Os dois caminhos: Da obediência para a vida e da desobediência para a morte.
Diante de tal situação Deus coloca a frente do povo dois caminhos a trilhar:
"A este povo dirás: Assim diz o SENHOR: Eis que ponho diante de vós o caminho da vida e o caminho da morte. O que ficar nesta cidade há de morrer à espada, ou à fome, ou de peste; mas o que sair e render-se aos caldeus, que vos cercam, viverá, e a vida lhe será como despojo. Pois voltei o rosto contra esta cidade, para mal e não para bem, diz o SENHOR; ela será entregue nas mãos do rei da Babilônia, e este a queimará." (Jr 21.8-10)De modo bem simples, podemos chegar a seguinte conclusão: render-se a vontade do Soberano resultava em vida, ao passo que resistir a Ele era caminhar a passos largos para a destruição. Certamente, independente de todas as armas que utilizamos, resistir a vontade Dele é esmurrar o próprio vento, é inútil e danoso a vida. A única solução possível é render-se como vencidos por Deus. Talvez sua objeção aqui seja: "Isso que você pede não é fácil, afinal de contas você está dizendo que não devemos resistir a vontade de Deus, sendo que essa vontade consiste em render-se ao nosso inimigo e viver como despojo de guerra". É uma objeção válida, como aceitar essa vida de cativeiro em terra estranha? Segundo o profeta Ezequiel isso era necessário para que as nações e principalmente Israel soubessem "que eu sou o SENHOR" (Ez 30.8,19,25-26; 32.15; 35.9,15; 38.23; 39.6). O tempo provou que a disciplina de Deus fez com que Israel abandonasse a idolatria e se voltasse para a sua palavra. Setenta anos de cativeiro foram necessários para que fossem "participantes da sua santidade" (Hb 12.10).
Ainda que não possamos enxergar a finalidade de sua vontade, precisamos nos render a Ele, com as nossas armas jogadas ao chão, sabedores de que a nossa desobediência tem nos levado a caminhos de morte e não de vida. Deus é contra o seu povo sim, mas não para destruição, como aconteceu quando Deus foi contra as demais nações. Aonde está o império Babilônico hoje? O que dizer dos gregos e romanos? Em contrapartida o povo de Deus, o verdadeiro Israel, que é a Igreja, permanece firme, apesar de perseguições e tribulações, que segundo nosso estudo vem na maioria das vezes da parte do próprio Deus da Igreja. Render-se a Ele é seguir caminho de vida.
Graças a Deus que em nosso meio, andou Aquele que foi perfeito em sua obediência com o Criador, em contraste conosco, que desde o Éden anda em desobediência. Pela obediência Dele, Jesus Cristo, o Salvador, é que trilhamos o caminho da vida:
"Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos." (Rm 5.19)Pois a ira de Deus que era contra nós, foi depositada completamente nele, nenhuma gota a menos da sua taça fora desperdiçado.
"Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar, quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos." (Is 53.10)A pergunta feita no inicio desta postagem foi: E se Deus for contra nós? Quem será por nós diante do Todo-Poderoso? A resposta se encontra nesse Servo Sofredor que se pós entre nós e a ira de Deus que nos era devida.
A Graça e a Paz de Cristo sobre todos os que O amam.
Conflitante.... rs
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