domingo, 26 de fevereiro de 2017

O jovem sem juízo, a mulher inquieta e o marido ausente: Uma perspectiva bíblica do adultério.

     Preciso confessar que foi extremamente difícil achar palavras para um prelúdio adequado desta matéria em questão caro leitor. É obvio que o motivo dessa luta é o assunto a ser abordado. Afinal de contas, falar de adultério não é como comentar os lances da partida do final de semana, ou como falar da notícia que abalou o planeta no último mês. Apesar do adultério ser algo que abala a estrutura de toda uma sociedade saudável, não enxergamos mais dessa forma na era pós-moderna, que trata esse assunto com a mesma trivialidade que uma partida de futebol. Falo isso com pesar nas palavras, mas o adultério se tornou corriqueiro em nossa geração. Basta uma breve olhada nas mídias de nosso país, para se chegar a tal conclusão. Por ser ele assim tão trivial hoje em dia, é o que o torna um assunto tão difícil.

     Apesar da palavra "adultério" ser empregada também para casos de fraudes, falsificações e alterações (de alguma coisa); pretendo utiliza-lo aqui somente no sentido conjugal e relacional a duas partes em uma aliança, tal como o casamento. Mas não se engane, não pense que o que se segue é apenas uma mensagem direcionada aqueles que escondem uma vida dupla de sua esposa ou marido.Não! Esta mensagem é pra você, um legítimo filho de Adão, que dia após dia se vê assombrado pelos próprios desejos que brotam no coração. Porque o que é o adultério, se não a quebra de uma aliança entre um casal por meio de uma relação extraconjugal. E que é o pecado, se não a quebra de seu relacionamento com Deus. Não foi isso que Adão e Eva fizeram no Éden? Tiraram os olhos do seu Criador e, com desejos e tentações, flertaram com aquilo que não é Deus. Esta palavra é pra você que está em uma relação extraconjugal as escuras, mas também é pra você que diariamente sucumbe aos desejos e tentações adulterando contra o seu Criador. Pra você, que assim como eu, é um legítimo filho de Adão.

Dom Casmurro e Provérbios: duas perspectivas diferentes.

     Essa difícil questão me enfadou quando fazia a leitura de Dom Casmurro, do gênio brasileiro chamado Machado de Assis. Digo enfadou porque grande foi o meu aborrecimento ao ver no decorrer de uma história de amor puro, que nasce no coração de duas crianças (Bentinho e Capitu), mas que é pervertido com uma suspeita de adultério no decorrer da trama. As cenas de romance entre os dois adolescentes é digna de um filme premiado pela academia de Hollywood. Cenas que nos trazem a memória momentos de crianças e adolescentes, quando amamos pela primeira vez e tudo sem malícia, sem sequer a conotação sexual, que é tão normal quando crescemos, casamos e ficamos experimentados na vida. Tudo isso, na história de Bentinho e Capitu, é deflorado pela dúvida eterna do narrador. Uma dúvida que fica sem resposta, mas não sem um fruto, Ezequiel surge na história, e fica sendo um filho possível dessa dúvida. Tudo indica que Ezequiel é filho, não de Bentinho, mas talvez daquele que foi terceirizado, Escobar. Bentinho não responde, fica a dúvida. Mas só ela já é suficiente para macular o leito de um casal, de tão sério que é o assunto; talvez agora entenda a minha labuta com as palavras no inicio. Em todo caso, o réu é inocente na ausência de provas e testemunhas, de um lado temos Bentinho usando todos os recursos nesse tribunal para provar aquilo que nem ele tem certeza, por outro lado a dúvida permanece eterna. Esta é a perspectiva de Dom Casmurro: dúvida. Ezequiel é ou não fruto de um adultério? Não sabemos e nunca saberemos.

     O que sabemos é que a simples menção do adultério mancha o mais puro amor. Eis ai porque este é um assunto de tanta importância para nós cristãos. Se não fosse assim, ele não se encontraria entre os dez mandamentos: "Não adulterarás". Mas, além de estar entre as duas tábuas da Lei, é também um assunto muito peculiar no livro de Provérbios, principalmente nos primeiro sete capítulos (sendo dois deles, capitulo 5 e 7, exclusivos para o adultério). Segundo Bill T. Arnold:
"O livro de Provérbios dá continuidade a temas de outras partes do Antigo Testamento ao contrastar dois modos de vida. De um lado estão aqueles que rejeitam as leis de Deus e recusam-se a manter a aliança. Provérbios chama esses indivíduos de 'néscios' e sua escolha de vida é 'loucura'. Do outro lado estão aqueles que zelosamente mantêm o seu relacionamento com Deus e praticam os caminhos que são chamados de 'sábios', e suas vidas são caracterizadas pela 'sabedoria'." (Descobrindo o Antigo Testamento, p. 316)
     Ou em outras palavras, um é fiel e o outro não, caracterizando o que podemos chamar de adultério espiritual. Mas é claro que a primeira interpretação é em relação a pureza sexual desse fiel. Bill T. Arnold vai continuar dizendo:
"Tendo em vista a repetição das palavras 'filho meu' e das diversas referências à instrução do pai e aos ensinamentos da mãe, os ditados em 1.8-9.18 são uma série de 'conversas de pai para filho'. Esses ditados com frequência contrastam a imoralidade sexual com a devoção à sabedoria, que envolve pureza sexual." (p. 317)
      O capítulo em questão que quero expor, é o sétimo de Provérbios, que deixa bem claro essa visão de conselhos de um pai para o filho. Algo totalmente démodé em nossa época, é esse conceito de um pai educar e alertar seu filho acerca do adultério; não é a toa que vivemos tempos difíceis nessa área. Mas esse é o real contexto de Provérbios 7, um pai que pela observação adverte seu filho de algo mortal, como é o adultério. Diferente de Bentinho em Dom Casmurro, que nos deixa dúvida e incerteza em relação ao adultério, ao olharmos para a Bíblia somos esclarecidos em relação a verdade mortal dele. Olhemos então por essa perspectiva.

Provérbios 7
"Filho meu, guarda as minhas palavras e conserva dentro de ti os meus mandamentos. Guarda os meus mandamentos e vive; e a minha lei, como a menina dos teus olhos. Ata-os aos dedos, escreve-os na tábua do teu coração. Dize à Sabedoria: Tu és minha irmã; e ao Entendimento chama teu parente; para te guardarem da mulher alheia, da estranha que lisonjeia com palavras." (7.1-5)
     Em primeiro lugar, nós vemos aqui os imperativos de um pai para o filho. Não apenas conselhos, mas imperativos: "guarda as minhas palavras", "conserva dentro de ti", "guarda os meus mandamentos", "ata-os aos dedos", "escreve-os na tábua do seu coração". Com absoluta certeza vemos os imperativos de um sábio para alguém com falta de instrução. E esses imperativos são para o objetivo explicito no final: "para te guardarem da mulher alheia, da estranha que lisonjeia com palavras". Desprezar os mandamentos do pai era claramente se render a mulher estranha que seduz com palavras. Quer vencer os desejos e a concupiscência do seu coração desenfreado, e a tentação de palavras sedutoras? O pai diz: "guarda as minhas palavras" (Sl 119.11). Mas o contrário também é verdadeiro; você quer ser o mais vil pecador deste lugar? É simples, despreze essas palavras, rejeite-as e jogue fora, e você se verá em densas trevas (Sl 119.105).

     Os dias mais sombrios para o reinado de Israel foi durante o anos de Manassés, o pior rei que existiu em sua monarquia. Um homem que fez uma nação ruir em meio a idolatria (2Rs 21.1-9), um homem que introduziu uma nação em meio as trevas. Manassés morre, e reina em seu lugar seu filho Amom, que segue pelo mesmo caminho impio do pai (2Rs 21.19-24). Amom morre e surge uma luz no fim do túnel ao subir no trono Josias, seu filho de apenas oito anos. Este Josias vai começar a reparar os erros de seu avô e pai, reformando o templo e tirando-o das ruínas que se encontrava. E em meio a obra da restauração descobrimos algo sobre o motivo de tudo isso: o livro da Lei de Moisés estava perdido e foi achado. Chego então a conclusão que uma nação inteira ruiu porque havia desprezado essas palavras, e só depois de acha-lá ouve reforma verdadeira.

     Foi assim, de modo semelhante com a Igreja Cristã. Quando a igreja abandonava a palavra de Deus, entrava em seu meio palavras entranhas e sedutoras, heresias e erros doutrinários, e a igreja se via flertando com o mundo em pleno adultério com seu Salvador: Jesus Cristo, o Noivo. Essa relação extraconjugal só acabava quando Deus levantava homens e mulheres para se voltarem novamente para a palavra; será que não precisamos de uma nova Reforma? É por esse motivo que vemos aqui um pai e seu imperativo: "guarda as minhas palavras, conserva dentro de ti".

Duas observações
"Porque da janela da minha casa, por minhas grades, olhando eu, vi entre os simples, descobri entre os jovens um que era carecente de juízo, que ia e vinha pela rua junto à esquina da mulher estranha e seguia o caminho da sua casa, à tarde do dia, no crepúsculo, na escuridão da noite, nas trevas."  (7.6-9)
      A primeira observação que o pai faz a seu filho, foi aquilo que viu da janela de sua casa: um jovem (ou outro de seus filhos pela tradução da palavra hebraica "ben") que é carente de juízo, alguém que certamente está desprezando as palavras de sabedoria. Quando o autor diz sobre esse individuo como alguém "simples", não está usando a conotação de alguém humilde, mas a palavra no original é de um tolo. O próprio contexto de Provérbios nos dá esse sentido da palavra, nas onze vezes que a palavra é utilizada serve para qualificar alguém sem prudência (1.4; 7.7; 8.5; 9.4,16; 14.15,18; 19.25; 21.11; 22.3; 27.12). Não é um jovem simples de humilde condição, mas simplesmente um tolo sem juízo. A sua atitude vai comprovar o veretido do seu observador! Porque o que esse tolo fazia enquanto aquele observava? "Ia e vinha pela rua junto à esquina da mulher estranha e seguia o caminho da sua casa" (v.8).

     O caminhar deste homem não daquele que caminha em sua rotina. Não é alguém caminhando do trabalho para casa, algo normal do seu dia-a-dia. Não se engane, o andar deste homem não é o andar de um trabalhador ou alguém inocente que é tentado no meio de sua rotina. Veja que ele anda "junto a esquina da mulher estranha". A NVI (Nova Versão Internacional) foi muito feliz na escolha de suas palavras na tradução desse verso: "(ele está) andando em direção a casa dela". É o caminhar de um tolo planejando tolices, é um andar de alguém que está a espreita, e ansioso por algo. E dentro do contexto é talvez o andar de alguém que esta esperando a saída do marido. Um tolo fazendo tolices, e aquilo que faz é vergonhoso demais para ser visto pelos outros, pois aquilo que faz, ele o faz na escuridão da noite, nas trevas (Ef 5.11,12; 1Ts 5.7). Esta é a primeira observação: um homem que está borbulhando em suas paixões, totalmente dominado pelos desejos de seu coração.
"Eis que a mulher lhe sai ao encontro, com vestes de prostituta e astuta de coração. É apaixonada e inquieta, cujos pés não param em casa; ora está nas ruas, ora, nas praças, espreitando por todos os cantos. Aproximou-se dele, e o beijou, e de cara impudente lhe diz: Sacrifícios pacíficos tinha eu de oferecer; paguei hoje os meus votos. Por isso, saí ao teu encontro, a buscar-te, e te achei. Já cobri de colchas a minha cama, de linho fino do Egito, de várias cores; já perfumei o meu leito com mirra, aloés e cinamomo. Vem embriaguemo-nos com as delícias do amor, até pela manhã; gozemos amores. Porque o meu marido não está em casa, saiu de viagem para longe. Levou consigo um saquitel de dinheiro; só por volta da lua cheia ele tornará para casa". (7.10-20)
     Em seguida, olhando ainda de sua janela, este homem continua a observar, e o que vê é provavelmente a mulher da qual a casa era rodeada, e essa mulher vai ao encontro daquele tolo. E é impressionante o contraste na descrição dessa mulher com a do capitulo 31 conhecida como mulher virtuosa. Enquanto aqui temos alguém com vestes de prostituta e astuta de coração, a mulher virtuosa é aquela que "a força e a dignidade são os seus vestidos" (31.25). Aqui temos uma mulher "apaixonada e inquieta, cujos pés não param em casa; ora está nas ruas, ora, nas praças, espreitando por todos os cantos", já aquela que é cheia de virtudes "atende ao bom andamento da sua casa e não come o pão da preguiça. Levantam-se seus filhos e lhe chamam ditosa; seu marido a louva" (31.27,28). As palavras da mulher virtuosa são "com sabedoria, e a instrução da bondade está na sua língua" (31.26), já a mulher estranha ataca o tolo com palavras de sedução e insinuação. Esta mulher não está com boas intenções, ela percebe que diante dela está alguém dominado pelos seus desejos, e em vez de ajuda-lo, repreende-lo e se afastar dele, em vez disso ataca-o dizendo: "já perfumei o meu leito... vem vamos nos embriagar com as delícias do amor". Qual é o resultado de palavras como essa para um homem que está sucumbindo as tentações internas? Não seria a sua queda?

     Duas conclusões podemos tirar desta mulher. Primeiro, é evidente que esta mulher tem uma certa religiosidade, pelas palavras "sacrifícios pacíficos" e "paguei hoje os meus votos", porém certamente é uma ortodoxia morta. O adultério faz ao ser humano uma vida dupla de duas formas, primeiro com Deus, depois com o cônjuge. A segunda conclusão é que esta mulher pode estar relacionando o ato extraconjugal com um tipo de culto religioso (algo normal na cultura pagã da época), pois ela preparou o seu quarto como se fosse um templo de adoração, com colchas e linho fino, com perfumes preciosos. E vemos aqui mais um contraste com a mulher virtuosa: uma prepara a própria cama como um templo de adoração, enquanto a outra faz de seu corpo o verdadeiro templo (31.22). Quando abandonamos a adoração ao Deus único e verdadeiro é tendencioso que nos voltemos para adorar aquilo que nos domina e escraviza.

     Então ela termina a sua fala: "Venha, porque o meu marido não está em casa, saiu de viajem para longe... só por volta da lua cheia ele tornará para casa". O que essa mulher está insinuando para aquele tolo, que não é nenhuma vítima, é que ele poderia vir sem medo, que não haveria risco, não há perigo naquilo que estão prestes a fazer. Ninguém saberá, ficará entre nós, não tenha medo. "Vem, embriaguemo-nos com as delícias do amor, até pela manhã".

Uma advertência

    Essa é a observação que esse pai vê de sua janela: Um tolo, uma mulher inquieta e astuta de coração, um marido ausente e sabemos a conclusão. Além de ser um retrato perfeito de um ato de adultério nos dias de hoje, não seria esse também um retrato exato da total depravação da humanidade em relação a Deus?

     Não seria aquele homem tolo e sem juízo uma imagem perfeita de nós mesmos, quando estávamos em trevas, sem Cristo? Desprezávamos os juízos e as palavras de Deus, caminhando totalmente dominados pelos desejos carnais que são intrínsecos ao ser humano caído. Vivendo para o nosso próprio prazer, espreitando e rodeando o lugar da tentação (Tg 1.14). Somos nós, seduzidos e atraídos pelo pecado.

     Não seria aquela mulher um quadro perfeito para o mundo e para o sistema em que vivemos? Aproveitando-se de nossas fraquezas para seduzir-nos. Um mundo atraente, como uma mulher com vestes de prostituta, e que se aproxima de nós com beijos e palavras que seduzem. Um mundo cujo o seu deus é a satisfação dos prazeres e desejos, e ai de você se não se tornar um adorador e prestador de culto neste mundo, ele te persegui, te maltrata e te mata.

     E o que dizer da ausência do marido? Como não compara-lá com a ausência de Cristo no mundo após sua ascensão. Uma coisa é certa: nesse relato de Provérbios, somente o marido é inocente em sua conduta. Pois foi exatamente assim que Cristo morreu por nós, inocente e imaculado, mas ressuscitou e subiu aos céus, não em fraqueza mas em poder. E certamente voltará em tempo oportuno. E todos aqueles que vivem como aquele tolo, seduzidos pelo mundo dizendo: "Onde está a promessa da sua vinda?" (2Pe 3.4) "Ele não está aqui, venha e vamos viver de forma dissoluta, vamos satisfazer os prazeres porque este é o sentido da vida. Não há perigo não haverá ajustes de contas pelos nossos atos", e somos atraídos por essa voz. Mas será que não há perigo em vivermos dessa maneira?
"Seduziu-o com as suas muitas palavras, com as lisonjas dos seus lábios o arrastou. E ele num instante a segue, como o boi que vai ao matadouro; como o cervo que corre para rede, até que a flecha lhe atravesse o coração; como a ave que se apressa para o laço, sem saber que isto lhe custará a vida." (7.21-23)
     Podemos até pensar que não há perigo nesta vida adultera, mas ele finaliza comparando aqueles que seguem por esse caminho como um boi a caminho do matadouro, como cervo que corre para rede ou a ave que se apressa para a armadilha. Nem o boi, nem o cervo, nem ave e nem o adultero compreende que esse caminho lhe custará a vida. Certamente essa advertência é propícia a nós hoje, pois segundo Cristo o adultério não é um perigo iminente somente para os casados, mas sim um mal que já começa nos olhos e no coração de qualquer um, expandindo assim a interpretação do sétimo mandamento e tornando igualmente abrangente o número daqueles que o quebram (Mt 5.27,28). Nós vivemos em tempos em que o acesso a pornografia se tornou tão fácil quanto o acesso a eletricidade, e as mulheres abandonaram a castidade na sua forma de vestir, somos presas vulneráveis em tempos modernos, tanto quanto foram aquele boi, cervo ou ave. É necessário que haja um verdadeiro arrependimento para não sermos pegos de surpresa pelo Senhor, que certamente há de voltar (1Ts 5.4-11).

A Graça e a Paz de Cristo a todos os que o amam.

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